Meu primeiro emprego regular foi na COAP da Vila IVG.
Balconista e entregador de compras, era o que se podia
conseguir sem precisar gastar condução, sem precisar levar marmita, e sem
precisar tirar a carteira de menor.
O horário era o comercial: das oito ao meio dia, e de uma
às seis da tarde. Mas aos domingos era só até ao meio dia.
Quem ainda lembra, esse tipo de armazém foi uma invenção
do governo para abastecer o publico com produtos básicos. Arroz, feijão, óleo,
sal, açúcar, farinha, carne seca e sabão em barra. Aos poucos, os comerciantes
foram botando mais coisas por conta própria. Até pasta de dente já era vendida ali.
O local era um barracão de madeira, pequeno e bastante
funcional. Um balcão separava o publico das mercadorias que eram “ensacadas” em
caixas de madeira para serem entregues durante o dia. Uma carroça puxada por um
cavalo fazia o trabalho de entrega. Minha função principal era cuidar do
cavalo, das entregas e, se tivesse tempo, ajudar no atendimento aos fregueses.
Miriam era filha de uma das famílias freguesas do Armazém.
Quando vinha com a mãe fazer compras, meu dia ficava muito mais leve. Era a mais
linda meninas das imediações. Sorriamos um para o outro e era fácil perceber minhas
orelhas fervendo. Sem nenhuma oportunidade de trocar palavras, ficávamos ali,
tirando linha, como se dizia na época. Entregar as compras na casa dela era
coisa mais sonhada da semana. Ali tínhamos a oportunidade de fazer algum
comentário sobre a estrada, o peso, a chuva e qualquer coisa que nos fizesse ouvir
a voz um do outro.
Por debaixo da blusa se avistava a saliência dos seios.
Pequenos, mas bastante pontudos. Acho que ela não usava sutiã ainda. O gênio da
propaganda ainda não havia descoberto o primeiro. Aquele que ninguém esquece.
Um dia criei coragem e abordei o irmão mais velho dela.
Sujeito carrancudo, funcionário da Ford, tinha profissão importante. Até
uniforme usava. Falei que gostaria de namorar a irmã dele. E, se fosse possível,
iria até falar com o pai deles. O olhar,
inesquecível, foi a resposta mais clara que qualquer palavra de negação. A irmã dele nunca iria namorar um Zé Mané qualquer.
Balconista de COAP e carroceiro, nem pensar. Ela seria namorada de algum rapaz
de bem, que pudesse dar um futuro pra ela. Alguém que estudasse e tivesse
alguma profissão importante. Torneiro, ferramenteiro, alguém que pudesse chegar
a ser capa branca numa indústria.
Diante da minha pergunta se ela era de acordo com isso,
disse que me quebraria a boca se me visse tentando falar com ela. Nem a minha
amizade com Zé Maria o demoveu de manter a irmã longe dos meus olhares.
Se foi acaso não sei, mas a família se mudou da vila e
nunca mais soube dela.
Fique sabendo que ela morava em Santo André e estava
namorando um tal Luizinho, estudante do SENAI, escola quase inatingível para
quem morava na Vila.
O tempo passou. Casei, tive três filhos, fiz muitas
coisas que nem imaginava poder ter feito na vida.
Mil e novecentos e oitenta e nove,a campanha política
estava pegando fogo para eleger o primeiro presidente direto. Um jovem político
nordestino versus um líder sindical. As pessoas achavam que teríamos nosso Lech Wałęsa,
afinal.
De
repente, sacando uma carta na manga, o jovem político alagoano apresenta uma ex-namorada
do adversário. Ela confirma que o líder operário a deixou grávida, e ainda lhe
ofereceu dinheiro para abortar um filho que haviam produzidos durante o namoro.
O
choque foi inevitável descobrir que o Luizinho sortudo era o tal namorado
aceito pelo irmão da Miriam, a que poderia ter sido minha primeira namorada.
Calei
essa descoberta pois também descobri que minha Letícia era muito mais bonita
que a Miriam. Que não tinha um irmão idiota fazendo exigências absurdas. E que ela
sempre foi linda, apesar de ter partido muito mais cedo que eu podia esperar.