Memória de um Mané.
Segunda parte: A fase terceira.
Em verdade vos digo que queria mesmo era ter a alma de
fiel escudeiro de um Don Quixote.
Sempre me fascinou a figura de Sancho Pança. Ali, em
segundo plano, nada querendo, a não ser, como prêmio, uma ilha somente sua,
onde pudesse finalmente descansar. Seu trabalho era apenas atender seu amo para
ajuda-lo a realizar os desejos de Justiça.
Isso eu queria ter sido. Mas meu ego não aceitou. Queria
mesmo era a posição de Don.
Passei todos estes anos envolvido em alguma luta. Sempre
com paixão desmedida.
No principio foi minha primeira namorada. Imaginava que
seria a única. A última. Aquela que completaria minha parte faltante.
Nem chegamos a trocar nosso primeiro beijo e acabou o
sonho. Um irmão dela proibiu. Isso já contei em memória anterior.
Em seguida, descubro que a Revolução precisava de
soldados para derrubar a tal Ditadura instalada no Brasil pelos golpistas de
64.
Fiquei refém dessa paixão até que, pressionado por um
primeiro filho, esposa, e deveres de chefe de família, abandonei a paixão. Mas
nunca perdi esse amor de vista.
Envolvido em meu mundo de empresário, as paixões estavam
todas voltadas para a criação, busca do sucesso econômico, compra de bens
imóveis, projetos, empreendimentos... Enfim, uma valiosa experiência de vida.
Mas, como tudo passa, e se torna fardo quando não é nosso
escopo de vida, essa fase também passou. Deixou mais problemas que saudades. Embora
tivesse sido muito boa enquanto durou.
Nova vida, nova mudança de rumo. Hora de me aposentar,
lembrei que Porto poderia ser um lugar seguro para essa nova fase. Afinal, aqui
tinha coisas para terminar. Então nada melhor que juntar o útil ao agradável.
Num caminhãozinho juntei um mínimo de tralhas para essa
mudança. Seria a penúltima de minha vida. Foi o que meu Sancho pensou.
Finalmente meu Don iria se aposentar e eu teria a tão sonhada ilha.
Pois o destino não quis que assim fosse. Minha amada
esposa terminou sua missão na terra – é o
que dizem os crentes e espíritas – e eu fiquei tão desnorteado sem minha
metade, que entrei num limbo infinito.
Jamais tomaria remedinhos de farmácia para aplacar minhas
tristezas. Até que aceitei o convite de um amigo para conhecer a nova droga do
momento: O FACEBOOK.
Em menos de dois dias estava perdidamente viciado por
essa “coisa”. Juntei minha fome de comentarista militante com a vontade de
comer novidades sociais.
Até que cruzei com uma figura, para mim extraordinária,
num dia em que tudo parecia normal.
Novamente apaixonado!!! Não mais por uma causa, não mais
por um objeto, não mais por buscar conhecimento ou brigar pelas ideias de Don
Quixote. Mas, sim apaixonado pela tão sonhada musa, buscada por toda a vida. E
ali estava ela. Ao alcance de um click no mouse. Tão próxima que podia sentir
seu cheiro de fêmea misturado ao perfume do mar que lhe emoldurava as
fotos. Um ser tão extraordinário que,
mesmo sabendo ser mitológico, eu queria me atirar em seus braços. Beijar seu
todo, até sentir que estava beijando a própria alma.
Uma paixão tão abrasadora, principalmente por se tratar
de uma Aldonza, que me fez pensar que correspondia igualmente aos anseios de alma
buscando sua parte perdida, em outra época.
Até mesmo a voz era o de sereia encantando um Ulisses
amarrado em mastro de navio.
Durou séculos esse estado. Mesmo que fossem poucos dias,
e entrecortados de ciúmes, ataques de êxtase, e outras manifestações emocionais
que jamais havia experimentado.
Até que, da mesma forma como iniciou, terminou com o triste
despertar para a realidade.
Don Quixote sempre foi um cavaleiro da Triste Figura,
como bem o desenhou seu autor há tantos séculos passados. Diverte a todos.
Menos a si mesmo.
Agora só me resta a providencia de liberar meu fiel
escudeiro. Decepciona-lo por não ter lhe entregue a tão sonhada ilha.
Soltar meu Rocinante num verdejante pasto, e aguardar que
os desuses da natureza façam sua parte.
Enquanto não chegarem, aqui estarei escrevendo minhas
memórias. Criticando tudo e a todos. Amando
a beleza natural nas imagens que, graças à tecnologia, chegam pela janela do
monitor.